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Notícia da edição impressa de 19/12/2018. Alterada em 18/12 às 23h00min

Turismo aliado à educação fortalece meio rural

Paisagem bucólica do Trajeto da Rota Sabores e Saberes proporciona turismo calmo e integrado aos produtores locais

Paisagem bucólica do Trajeto da Rota Sabores e Saberes proporciona turismo calmo e integrado aos produtores locais


LAÍS ESCHER/DIVULGAÇÃO/JC
Carlos Villela
A responsabilidade social também está presente no turismo rural, área que vem se popularizando e que pode desenvolver comunidades, aproximar o campo da cidade e envolver pessoas em torno de propósitos em comum. A Rota Sabores e Saberes é exemplo de como o turismo agroecológico aliado à educação desenvolve municípios e fortalece o meio rural. Há 11 anos em atividade, o roteiro inclui 10 empreendimentos de Harmonia, Tupandi, Bom Princípio e Montenegro, mostrando a diversidade de conhecimentos, a gastronomia e a força da agricultura local - e, em maioria esmagadora, familiar.
Um dos empreendimentos é a Agrofloresta do Inacinho, em Tupandi, comandada por Inácio Rohr. Desde 2000, ele já recebeu mais de 12 mil pessoas, desde turistas até pesquisadores internacionais, na propriedade de 13,5 hectares. Ela é aberta ao público, mas há preferência por visitas técnicas para conhecer o sistema de produção agroflorestal de citros, pioneiro no País. Segundo Rohr, a ideia surgiu após observar que, "à beira do mato onde tinha sombra, a laranjeira era mais verde, a fruta era mais lisa e a vegetação não era muito agressiva como no sol", diz. "Pensei que isso deveria dar certo, deixar crescer árvores no meio do pomar. Hoje colhemos os resultados."
O agricultor destaca que "turismo também é aprender", reforçando o caráter educativo da rota, que valoriza a aproximação do campo com a cidade e o conhecimento do processo de produção dos alimentos. "É possível fazer de outro jeito, cuidar, produzir e também ganhar dinheiro", diz.
A intenção de mostrar o processo de produção do alimento também é valorizada na Ecosabores, em Bom Princípio, sítio comandado pelo casal André Steffen e Adriana Steffen. Eles comercializam, sobretudo, a produção agroecológica de morangos. Ao abrirem as porteiras da propriedade de 9,2 hectares - dos quais utilizam três, pois o resto é mata nativa -, desejavam mostrar que é possível produzir sem agredir o meio ambiente. "A ideia é fazer as pessoas entenderem que, além do mundo delas, existe outro. E o que o alimento é mais do que uma mercadoria", afirma Steffen.
Em 1998, depois de fazer um curso de agroecologia, o casal se tornou primeiro produtor orgânicos de morango da cidade. Steffen diz que a escolha por uma produção orgânica se deu por uma questão de responsabilidade. "A gente jamais vai obter uma renda sabendo que prejudica o meio ambiente e as pessoas", diz.
De acordo com Cândida Schaedler, uma das sócias da agência Cultivo, que tem foco em estratégias para o setor rural, é importante aplicar estratégias de educomunicação socioambiental como forma de integração com escolas e entidades locais. "Quando se trabalha com o campo, é preciso entender que há um potencial educativo muito grande, que já está na essência dos próprios empreendimentos, mas perpassa uma necessidade da sociedade", afirma.
 

O problema não é ser pequeno, é ser sozinho

Hilgert, reforça a integração com entidades e produtores
Hilgert produz cachaças artesanais seguindo passos familiares
LAÍS ESCHER/DIVULGAÇÃO/JC

Uma das maiores barreiras enfrentadas pelos empreendimentos que trabalham com turismo rural é a falta de apoio do poder público. Leandro Hilgert é dono da Cachaçaria Harmonie Schnaps, localizada em Harmonia, cidade com pouco mais de 4 mil habitantes. O alambique foi fundado em 2004 e carrega as tradições  da família do proprietário, cujo tio-avô produzia cachaças. Desde que fundou o empreendimento no município de 4,5 mil habitantes, ele já tinha ideia de investir no turismo para disseminar o processo de produção artesanal da bebida típica brasileira, o trabalho educativo de teor socioambiental e a promoção das belezas naturais da região. Segundo ele, o percurso da Rota Sabores e Saberes propõe um turismo diferente e mais calmo e é preciso reforçar a ideia, junto às administrações públicas, de que é um investimento a longo prazo.

Para André Steffen, da Ecosabores, é preciso "fazer com que o município viva o turismo, respeite o turismo, porque todos acabam ganhando". A falta de um planejamento específico é um problema comum enfrentado por municípios pequenos, que, muitas vezes, não dispõem sequer de um departamento específico na administração pública para tratar de turismo. Junto a isso, as iniciativas voltadas ao turismo rural também enfrentam pré-concepções consolidadas sobre a produção agrícola. Steffen lamenta que ações como o cultivo orgânico costumem ter apoio institucional em casos mais isolados porque, "quando se fala em agricultura, se pensa logo em larga escala". Ele acredita que, para ampliar a produção orgânica na região, muitas vezes também se falta o conhecimento necessário. "Estão dentro de um sistema e não conseguem sair", diz. "É bastante cultural."

A falta de políticas públicas adequadas dificulta a popularização e a devida valorização das iniciativas, mas há entidades que estão dispostas a ajudar. Nos seus 20 anos de atuação na agricultura, Steffen ressalta o trabalho da Emater-RS-Ascar, que dá assistência aos pequenos produtores rurais do Estado e esteve com eles "desde o começo". Hilgert, que é associado à Associação dos Produtores de Cana-de-Açúcar e Seus Derivados (Aprodecana) e ao grupo Alambiques Gaúchos, também reconhece o papel da integração com entidades e a ação coletiva entre os produtores, que contaram com o apoio da Emater para  a formatação do Rota Sabores e Saberes, desenvolvida junto com os outros empreendimentos que compõem o trajeto. "Uma coisa que eu aprendi nesse andar é que o problema não é ser pequeno, é ser sozinho", disse.

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