Carlos Villela
A responsabilidade social também está presente no turismo rural, área que vem se popularizando e que pode desenvolver comunidades, aproximar o campo da cidade e envolver pessoas em torno de propósitos em comum. A Rota Sabores e Saberes é exemplo de como o turismo agroecológico aliado à educação desenvolve municípios e fortalece o meio rural. Há 11 anos em atividade, o roteiro inclui 10 empreendimentos de Harmonia, Tupandi, Bom Princípio e Montenegro, mostrando a diversidade de conhecimentos, a gastronomia e a força da agricultura local - e, em maioria esmagadora, familiar.
Um dos empreendimentos é a Agrofloresta do Inacinho, em Tupandi, comandada por Inácio Rohr. Desde 2000, ele já recebeu mais de 12 mil pessoas, desde turistas até pesquisadores internacionais, na propriedade de 13,5 hectares. Ela é aberta ao público, mas há preferência por visitas técnicas para conhecer o sistema de produção agroflorestal de citros, pioneiro no País. Segundo Rohr, a ideia surgiu após observar que, "à beira do mato onde tinha sombra, a laranjeira era mais verde, a fruta era mais lisa e a vegetação não era muito agressiva como no sol", diz. "Pensei que isso deveria dar certo, deixar crescer árvores no meio do pomar. Hoje colhemos os resultados."
O agricultor destaca que "turismo também é aprender", reforçando o caráter educativo da rota, que valoriza a aproximação do campo com a cidade e o conhecimento do processo de produção dos alimentos. "É possível fazer de outro jeito, cuidar, produzir e também ganhar dinheiro", diz.
A intenção de mostrar o processo de produção do alimento também é valorizada na Ecosabores, em Bom Princípio, sítio comandado pelo casal André Steffen e Adriana Steffen. Eles comercializam, sobretudo, a produção agroecológica de morangos. Ao abrirem as porteiras da propriedade de 9,2 hectares - dos quais utilizam três, pois o resto é mata nativa -, desejavam mostrar que é possível produzir sem agredir o meio ambiente. "A ideia é fazer as pessoas entenderem que, além do mundo delas, existe outro. E o que o alimento é mais do que uma mercadoria", afirma Steffen.
Em 1998, depois de fazer um curso de agroecologia, o casal se tornou primeiro produtor orgânicos de morango da cidade. Steffen diz que a escolha por uma produção orgânica se deu por uma questão de responsabilidade. "A gente jamais vai obter uma renda sabendo que prejudica o meio ambiente e as pessoas", diz.
De acordo com Cândida Schaedler, uma das sócias da agência Cultivo, que tem foco em estratégias para o setor rural, é importante aplicar estratégias de educomunicação socioambiental como forma de integração com escolas e entidades locais. "Quando se trabalha com o campo, é preciso entender que há um potencial educativo muito grande, que já está na essência dos próprios empreendimentos, mas perpassa uma necessidade da sociedade", afirma.
Uma das maiores barreiras enfrentadas pelos empreendimentos que trabalham com turismo rural é a falta de apoio do poder público. Leandro Hilgert é dono da Cachaçaria Harmonie Schnaps, localizada em Harmonia, cidade com pouco mais de 4 mil habitantes. O alambique foi fundado em 2004 e carrega as tradições da família do proprietário, cujo tio-avô produzia cachaças. Desde que fundou o empreendimento no município de 4,5 mil habitantes, ele já tinha ideia de investir no turismo para disseminar o processo de produção artesanal da bebida típica brasileira, o trabalho educativo de teor socioambiental e a promoção das belezas naturais da região. Segundo ele, o percurso da Rota Sabores e Saberes propõe um turismo diferente e mais calmo e é preciso reforçar a ideia, junto às administrações públicas, de que é um investimento a longo prazo.
Para André Steffen, da Ecosabores, é preciso "fazer com que o município viva o turismo, respeite o turismo, porque todos acabam ganhando". A falta de um planejamento específico é um problema comum enfrentado por municípios pequenos, que, muitas vezes, não dispõem sequer de um departamento específico na administração pública para tratar de turismo. Junto a isso, as iniciativas voltadas ao turismo rural também enfrentam pré-concepções consolidadas sobre a produção agrícola. Steffen lamenta que ações como o cultivo orgânico costumem ter apoio institucional em casos mais isolados porque, "quando se fala em agricultura, se pensa logo em larga escala". Ele acredita que, para ampliar a produção orgânica na região, muitas vezes também se falta o conhecimento necessário. "Estão dentro de um sistema e não conseguem sair", diz. "É bastante cultural."
A falta de políticas públicas adequadas dificulta a popularização e a devida valorização das iniciativas, mas há entidades que estão dispostas a ajudar. Nos seus 20 anos de atuação na agricultura, Steffen ressalta o trabalho da Emater-RS-Ascar, que dá assistência aos pequenos produtores rurais do Estado e esteve com eles "desde o começo". Hilgert, que é associado à Associação dos Produtores de Cana-de-Açúcar e Seus Derivados (Aprodecana) e ao grupo Alambiques Gaúchos, também reconhece o papel da integração com entidades e a ação coletiva entre os produtores, que contaram com o apoio da Emater para a formatação do Rota Sabores e Saberes, desenvolvida junto com os outros empreendimentos que compõem o trajeto. "Uma coisa que eu aprendi nesse andar é que o problema não é ser pequeno, é ser sozinho", disse.